A capa do jornal "Público" de ontem, dia 3, é um caso de maldade requintada elevada ao sublime extremo da pulhice inqualificável sob o manto da aparente ingenuidade. O seu conteúdo e a sua imagem não são aqui reproduzidos deliberadamente - há atitudes que merecem o desprezo total, outras há que devem ser admiradas e seguidas, outras ainda que não suscitam comentários nem reflexão, e outras, por fim, que podem e devem ser mais ou menos aplaudidas ou rejeitadas, consoante os casos. A capa em questão é aviltante e, portanto, merece total reprovação pessoal.
Vejamos. Manchete a toda a largura da página: "Prisão de Paulo Pedroso obriga Estado a pagar a maior indemnização de sempre". Pós-título: "Sentença da Relação de Lisboa realça "erro grosseiro" que causou sofrimento para "toda a vida"". Imediatamente a seguir, também de lado a lado, lê-se "Ciência - Instabilidade amorosa dos homens é genética, diz novo estudo sueco", em título inserido na foto de um nu frontal da antiguidade grega recortado em pormenor, apenas tornando visível parte de uma mão, a linha de cintura e metade das coxas e, claro, o pénis e respectivos testículos.
A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa - que, em primeira instância, dá razão à ilegalidade da prisão preventiva de Paulo Pedroso no âmbito do caso Casa Pia - merece o respeito de quem respeita todas as outras decisões da Justiça, mesmo aquelas que nos parecem menos justas. E, honestamente, eu não sei se esta decisão é justa, não tenho sequer competências para discutir tais coisas, e por esse lado dou-me por muito feliz. O que me faz infeliz é a associação indecorosa de uma notícia que iliba um homem - que, à época, tinha justificadas e legítimas ambições pessoais de carreira profissional e política nos órgãos do Estado ou de representação externa de Portugal - de várias acusações de abuso sexual ao pénis da Grécia antiga que, como se sabe, foi fértil em casos de homosexualidade com direito a relatos e reflexões, inclusive, na Bíblia. Nenhuma mente ingénua aguenta, sem um esgar malicioso, tão casual associação. Nem aquelas que acreditam piamente numa das mais conhecidas máximas do Padre Américo, precisamente!, essa que diz não existirem meninos maus...
O caso é grave. Em 2003, Portugal viveu dias de absoluta excepcionalidade, como aqui ficam retratados: há jovens que se diziam sexualmente abusados, há um homem, Paulo Pedroso, que foi destruído em público, há uma direcção política que foi literalmente decapitada. Se houve, ou não, cabala, está por demonstrar, embora do ponto de vista político esteja pessoalmente convicto dela, e estou à vontade para o afirmar até porque nunca, sequer, me senti próximo do Partido Socialista. Mas, cinco anos depois o que sobressai aos olhos das pessoas que passam nas ruas? Fica para a História a capa de um "jornal de referência", tido, até por mim!, como muito relevante para a Imprensa portuguesa, que pisa o risco, ultrapassa todas as marcas e, seguramente, também vai sair incólume deste "erro grosseiro".
Vejo aqui, portanto, um caso simbólico de pulhice inominável no rosto impávido e sereno de quem diz respeitar, e faz publicar!, princípios éticos. As picardias e as maldades fazem-se, claro está: nenhum jornalista está acima da sua própria natureza, enquanto ser humano. Mas sob o disfarce da interpretação dos factos não nos devemos ultrapassar a nós próprios, sob pena de perdermos, no imediato, a dignidade com que logramos construir o capital (humano, intelectual, ético e material) de que, afinal de contas, nos julgávamos feitos.
Enquanto assim for, passem bem sem mim.
quinta-feira, 4 de setembro de 2008
A pulhice sem nome do jornal "Público"
às quinta-feira, setembro 04, 2008
Marcadores: Jornalismo, Política, Portugal, Sociedade
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